Em
entrevista à Folha, o psicanalista Leopoldo Fulgêncio, 52, fala da função
materna hoje à luz da teoria de Donald Winnicott (1896-1971), psicanalista
inglês criador do conceito de "mãe suficientemente boa". Pai de dois
filhos e um enteado, Fulgêncio leciona na PUC de Campinas, interior de São
Paulo.
Folha -- O que significa ser uma "mãe
suficientemente boa" hoje?
Leopoldo
Fulgêncio -- É aquela que, ao suprir as necessidades do filho, cria a
possibilidade de ele ter fé na vida, nas pessoas. A função materna sempre foi
cuidar. A matriz do amor é o cuidado, não ficar dizendo que ama e dando explicações
sobre como as coisas devem ser.
Como lidar
com o medo de errar? É melhor uma
mãe que erre porque está empenhada em descobrir o seu jeito de fazer as coisas
do que uma que acerte por causa de um manual. Ser mãe é muito complexo e o
melhor jeito de saber como agir não é com uma cartilha. A mãe deve ser
incentivada a ficar em contato com seus filhos e a agir de acordo com seus
próprios sentimentos.
Quais são os
desafios das novas famílias? Casais
héteros ou homossexuais têm que lidar com as próprias ambiguidades para não
passar os seus dilemas para os filhos. Seja qual for o problema a enfrentar,
fingir que ele não existe não é a solução. Recomendo sempre a comunicação
verdadeira. No caso de filhos pequenos, não faltam fábulas para ajudar a
elaborar as questões das diferenças e das separações.
Qual é o
impacto da tecnologia nas relações familiares? O problema é a medida: quando a tecnologia se
sobrepõe, ela mata as relações. Os pais podem usar recursos tecnológicos [como
mensagem de celular] para falar com seus filhos, mas isso não substitui a
presença. É atribuição dos pais regular o uso da tecnologia porque os filhos
não percebem o seu alcance.
Na
adolescência, estar presente pode ser mais difícil... É preciso manter-se
disponível para uma fase de intensas negociações --se vai ou não vai, a que
horas sai, com quem etc. --, suportar brigas decorrentes disso e mostrar que,
apesar delas, você continua ali. É normal que adolescentes se oponham aos pais.
É uma questão de identidade.
E se o
cuidado materno faltar ou falhar em alguma fase? A criança será prejudicada de muitos modos. Pode
perder a fé no mundo, sentir muita dificuldade para ver o outro, para se
relacionar, para aprender. Pode até perder o interesse pela realidade. Em casos
graves, durante a fase inicial da vida, corre o risco de desenvolver autismo
--essa era uma das hipóteses de Winnicott.
A
maternidade, então, tem uma função social? Se o Brasil quer amadurecer, deve investir mais
nas mães e na primeira infância. A mãe não pode fazer tudo sozinha. Precisa do
apoio do pai dos filhos, da família e também de escolas, creches,
licença-maternidade, enfim, de reconhecimento social.

Nenhum comentário:
Postar um comentário