quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Casos de família Ana Fraiman discute a difícil relação entre filhos jovens e pais idosos


  
  
"Em busca de paz, amor e carinho, atravessei momentos angustiantes após a separação. Permaneci casado aproximadamente 28 anos. Meu casamento foi por água abaixo por conta de fofocas, parentes dando opinião errada, filhos superprotegidos e totalmente paparicados pela mãe. Um baixo astral terrível.

Minha filha mais nova, sempre revoltada, dominante e rebelde, passou a vida toda me tratando, não como pai mas como um qualquer. Ela é solteirona e ainda mora com a mãe, mas bem do tipo ‘ninguém manda em mim’. Tem a vida livre, mas vive causando sérios problemas de relacionamento com os demais familiares.

Minha ‘ex’ já tentou se reconciliar comigo, mas isso não acontece porque nossa filha é muito vingativa e não aceita de jeito nenhum, pois eu saí de casa. Diz cobras e lagartos para mãe, que treme de medo, principalmente quando a filha fica agitada e se porta de forma extremamente agressiva.

Hoje a mãe se encontra doente e, apesar de ser aposentada e ter alguma entrada, é a filha que controla o dinheiro todo, gastando com banalidades e coisas para ela mesma. Nessa desorganização toda a família está desmoronando dia após dia. Hoje, também estou aposentado e moro sozinho numa outra casa, onde diariamente recebo ligações telefônicas da minha ‘ex’. Diria que até somos amigos, só que a nossa filha não permite que a mãe venha morar comigo.

Esse é o meu drama, um verdadeiro inferno astral. Tenho 65 anos e bastante experiência de vida. Mas fico me perguntando por que existem pessoas tão maldosas e vingativas neste mundo? Será que vale a pena ignorar os deveres da união familiar e dar um chega pra lá definitivo nessa filha!?"

Oswaldo Rodrigues - Nova Friburgo/RJ.


Confira a resposta da psicóloga Ana Fraiman* nas próximas páginas

O valor de uma resposta é o efeito que ela provoca. Se você conseguir dar esse chega pra lá e as coisas voltarem para o devido lugar, então terá sido uma grande atitude. Mas como saber? Só fazendo, e aí não há garantias. Nem para que as coisas melhorem logo de início, nem para que as coisas piorem. É uma atitude de risco, até porque tanto você quanto sua ‘ex’ precisariam estar muito coesos entre si e com as ideias muito amadurecidas em relação às consequências. Ou seja, para agir com força é preciso convicção.

O fato de a filha dar as cartas na vida da família há um bom tempo não é o mais correto. Parece-me, também, que abusa dos poderes que jamais deveriam ter-lhe sido concedidos. Isso acontece com muito maior frequência do que se imagina.

As queixas que as Delegacias de Idosos têm recebido a respeito de filhos e outros parentes que se apropriam de bens dos mais velhos têm aumentado. Não porque haja mais violência, mas em razão dos idosos estarem ganhando mais consciência dos seus direitos e coragem para enfrentar aqueles que deles se aproveitam. No site “Cuidar de Idosos” lê-se: Atualmente, uma das formas mais comuns é o abuso financeiro ao idoso. Explico: é a exploração imprópria e ilegal ou uso não consentido de seus recursos financeiros. É o uso ilegal e indevido, apropriação indébita da propriedade e dos bens financeiros, falsificação de documentos jurídicos, negação do direito de acesso e controle dos bens, administração indevida do cartão do segurado do INSS. Um fato muito comum é o empréstimo por consignação que é descontado do benefício do INSS. Muitos avôs e avós são obrigados a fazer empréstimos vultosos, para seus netos e filhos, comprometendo bastante o orçamento familiar.

O abuso psicológico, a violência psicológica e a violência física são os retratos mais tristes e inaceitáveis de maus tratos na terceira idade. O mais aterrador é que o principal agressor é, na maioria das vezes, um familiar! Mandar calar a boca, gritar e ameaçar, em seu conjunto são alguns dos exemplos de violência psicológica.

Veja, o que se passa na sua família se passa na família de muita gente, também, onde os filhos tiranizam os mais frágeis e indefesos. É preciso tomar uma atitude corajosa para acabar com a violência doméstica. E, na verdade, cabe a cada um de nós impedir que isso aconteça, mesmo que não seja em nossa própria casa, mas na dos vizinhos. E fazer uma denúncia, quando toma conhecimento de que isso ocorre de maneira frequente, em especial contra os que são mais frágeis, doentes e dependentes e que, portanto, não conseguem se defender por conta própria. Calar-se é tornar-se conivente.

Estou mais do que convencida de que não há somente de um lado a pessoa que agride e de outro a pessoa ou as pessoas que são agredidas. Há o silêncio e a omissão do próprio ambiente, do contexto em que a violência acontece, as testemunhas que viram as costas e se calam, que se afastam por não quererem assumir responsabilidades, por medo de que acabe sobrando trabalho para elas e que o agressor se volte contra elas também, por considerarem que não têm nada a ver com o assunto... Enfim, essa questão da violência doméstica é muito complexa e você pode ficar muito surpreso ao se dar conta de que estou caracterizando sua filha como pessoa violenta, destrutiva e não simplesmente muito geniosa. Faço-o em razão de como você mesmo a descreveu.

Claro que você não é perfeito e já deve ter tido seus mais momentos, também. Claro que sua ex-esposa também deve ter cometido seus erros e que outras pessoas da família devem ter ‘botado lenha’ nessa fogueira. Ninguém é santo nessa história. Porém, acredito que você, pai, não nos escreveria se não tivesse esgotado todas as suas capacidades de lidar sozinho com o assunto, em busca de preservar o que ainda resta dos elos familiares, para o que a filha de você pouco colabora.

Já que vocês pais não conseguem contê-la nos seus ataques e outros parentes também já se afastaram deixando a coisa para vocês tratarem, sugiro buscar forças, recursos e um sólido aconselhamento junto àqueles que têm autoridade e sabem lidar com esse tipo de situação: as Delegacias de Idosos existem para isso. Fazem atendimento social e orientam sobre como agir.

Você pode sentir-se atemorizado e dizer que não é para tanto. Então, quem vai cuidar de sua ‘ex’, bem como de seus próprios interesses e necessidades? Se ambos, você e ela, desejam reatar o relacionamento, se gostam e desejam voltar a conviver sob o mesmo teto é porque existe um forte laço afetivo entre vocês. Que direito uma filha ‘mal resolvida’ tem de direcionar a vida de vocês pais? Esse é outro abuso que ela comete, além de apropriar-se do dinheiro de sua ex-esposa.

A situação é, sim, bem complicada porque, em se tratando de pais e filha, entram sentimentos muito profundos e arraigados, mais a vergonha de estarem sendo vitimados por ela. O medo que vocês podem ter de serem mal vistos, além do medo de sofrer novas retaliações, especialmente sua ex-esposa, que mora com ela e está à mercê das destemperanças da filha, faz com que se encolham nas suas dores e até escondam dos demais, parentes e vizinhos, aquilo que se passa na intimidade da casa. Mas isso não resolve o problema nem o atenua, só prolonga os maus tratos. No tempo os intensifica.

Filhos-problema, filhos desequilibrados ocupam tanto a atenção dos pais, especialmente das mães, que elas acabam nem se dando conta da gravidade das perturbações mentais que esses filhos sofrem. De duas uma: ou se trata de um problema de caráter ou se trata de um sério desajuste emocional e comportamental, que não foi devidamente diagnosticado até então, o que torna sua filha uma vítima também, mas que - de qualquer forma - precisa parar com isso. Ou seja, a família toda de vocês precisa de ajuda, apesar de vocês pais estarem separados e viver cada qual na própria casa. O casal se separa, mas a família permanece. Existem, além dos serviços sociais conectados às Delegacias, atendimentos oferecidos pelas faculdades e universidades no que diz respeito à violência familiar.

Quando um membro da família é uma pessoa desajustada, de tal modo que perturba a ordem familiar, que provoca sofrimentos contínuos, comete abusos de várias ordens, comporta-se de maneira indigna e exerce violência sobre os demais, existe a tendência de um ou mais membros dessa família se acomodarem, submetendo-se a isso e, permanecerem quietos, na tentativa de evitarem provocar a ira da pessoa desajustada. Outros se afastam, os elos familiares se rompem e todos sofrem.

Amar filhos que são fáceis de criar e que nos dão prazer e orgulho, ah, isso é fácil. Ser piedoso e compassivo para com filhos desajustados, malignos até, sentir esse tipo de decepção e dor ,e, ainda assim desejar o bem deles e não julgá-los, essa é uma lição ainda possível de aprender. Tente. Não é necessário querer morar junto, não é preciso entrar num estado de espírito de ‘morrer de amores’ por quem nos machuca. Mas procure vê-la, também, como uma pessoa que, se tivesse consciência e liberdade para escolher como ser, seguramente, escolheria outro caminho, seria bem melhor como pessoa do que tem sido.

Não queira mal a ela. Visualize que ela um dia esteja bem e vivendo em harmonia, mesmo que no seu atual momento de vida você se mantenha afastado de seu convívio no dia-a-dia. Seja firme, porém, em não permitir que ela tome as rédeas da sua vida. Sua ex-esposa sabe que você nos escreveu? Converse mais com ela a respeito de vocês irem atrás de ajuda externa junto às autoridades que podem e sabem tratar do assunto. Há também grupos de apoio do tipo Amor Exigente, para vocês frequentarem. Mas não admita que a violência permaneça instalada no seio familiar como estilo de vida. Deu para entender?


*Ana Fraiman é psicóloga formada em Psicologia Social, especialista nas áreas clínica e social, com mestrado pela USP e, atualmente, cursa doutorado na PUC de São Paulo na área de Antropologia. Possui vários livros publicados, é articulista e Diretora da APFraiman Consultoria, empresa pioneira em Programas de Preparação para a Aposentadoria e Pós-carreira.

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