Já alguma vez se perguntou, “Porque é que a vida parece ser
tão difícil?” Eu penso nisso muitas vezes. Comparada com os vastos seis biliões
de pessoas no planeta, provavelmente a minha vida até tem sido fácil. Bons
pais, abrigo e boa comida, nenhuma doença problemática até à data, trabalho e
realização pessoal, bons amigos. Ainda assim, quase todos os dias a minha mente
gera alguns pensamentos subtis e outros não-tão-subtis de sofrimento emocional.
O sofrimento emocional expressa-se das
mais variadas formas e feitios. Você pode preocupar-se com o futuro, ficar
zangado ou triste, sentir-se culpado ou envergonhado, ficar chateado por estar
com dores, ou simplesmente sentir-se aborrecido ou stressado. Por vezes este
sofrimento é bastante subtil, “Não me sinto bem”, “Estou sem sorte.” Outras
vezes somos apanhados nas malhas da ansiedade, depressão, vício,
dor, sintomas relacionados com o stress, que é praticamente impossível
funcionarmos e levarmos a nossa vida para a frente. A grande maioria do tempo,
para alguns de nós, ser-se humano não é fácil.
Talvez o problema se prenda com o facto de
não termos evoluído para sermos felizes. A
selecção natural, o processo natural que conduz a evolução, favorece a
adaptação que permite reproduzirmo-nos com sucesso. Isto significa sobreviver o
tempo suficiente para encontrar parceiro e apoiar a sobrevivência dos nossos
filhos. O processo evolutivo não se “preocupa” particularmente com o facto de
gostarmos ou não da nossa vida, a não ser que isso aumente as nossas hipóteses
de sobrevivência ou “acasalamento”. Também não se “preocupa” com aquilo
que nos possa acontecer depois de terminado o nosso período fértil.
HIPERSENSIBILIDADE ÀS
EMOÇÕES NEGATIVAS
Mas nós preocupamo-nos. Enquanto a maioria de nós pensa que a sobrevivência da
humanidade é uma boa ideia, também gostamos de conseguir apreciar a vida
enquanto estamos por cá. Não me parece ser, pedir muito. No entanto, nós
debatemo-nos com isso. Como psicólogo, tenho a oportunidade de “aceder” à vida
de muitas pessoas, e a quase totalidade delas acham que a vida é difícil. Claro
que os meus clientes estão numa situação diferente da pessoa dita comum. No fundo, não são apenas as pessoas com problemas que
procuram um psicólogo? Ainda que exista uma dose de verdade nisso, eu suspeito que a
maioria deles, não estão mais angustiados que os outros que não andam em
terapia. Eles estão apenas mais motivados para fazerem alguma coisa para
resolver o seu problema. Aquilo que vos transmito é, que as pessoas que
supostamente não têm nenhum problema que para eles justifique a ajuda de um psicólogo,
também a sua vida provavelmente é emocionalmente angustiante.
O que é que se passa connosco? A vida em si parece ser tão extraordinária. A
vida natural, e a cultura humana é fascinantemente complexa e interessante, e
de um ponto de vista histórico praticamente todas as pessoas nos países
desenvolvidos vivem vidas privilegiadas de abundância e riqueza.
Afortunadamente, muitos de nós nunca vivemos nenhum acontecimento trágico, como
vemos por vezes nas notícias, como ser atacado por um exército hostil, perder a
família num desastre natural, ou ficar com incapacidades várias após um
acidente. Estas pessoas, evidentemente que têm toda a legitimidade para se
sentirem mal, angustiadas, tristes, desesperadas e desesperançadas, ainda
assim, muitas são as que conseguem retomar pouco a pouco a “normalidade das
suas vidas”, outras existirão que lhes é muito difícil e necessitam de ajuda.
Existem situações que nada pode reparar o “mal” que lhes sucedeu. Só a
aceitação e o voltar a ver significado na vida lhes pode restituir a alegria de
viver. Para aprofundar este assunto, pondere ler: Combater a sensação de
incapacidade e desesperança.
E a todos aqueles que nada disto lhes
aconteceu? Digo-vos
que a grande maioria de nós, ainda assim, vivemos um surpreendente mal-estar e
quantidade enormes de stress e dor emocional.Teremos na actualidade atingindo uma data histórica na
evolução humana para sermos infelizes? Do meu ponto de vista , acho que temos vindo a ficar cada vez
mais hipersensíveis às emoções negativas à medida que as condições de vida
melhoram. Repugnamos os sentimentos negativos e fugimos deles como o diabo da
cruz. Certamente não sonhamos, nem desejamos sentir pensamentos negativos, nem
tão pouco projetamos isso como um objetivo. Ainda assim, esses sentimentos
negativos pertencem-nos enquanto seres humanos, os quais, ao longo da nossa
evolução têm-nos sido úteis e, acima de tudo necessitamos deles.
AS EMOÇÕES SÃO FONTES
DE INFORMAÇÃO
Enquanto seres humanos percebemos algumas das coisas da vida
por contraste, por antípodas, por opostos, por exemplo não saberíamos o que é o
frio se não soubéssemos o que é o calor. Precisamos de ter um termo de comparação
que nos sirva de orientação. Os sentimentos e as emoções têm exatamente essa
função, servem-nos como uma orientação, transmitem-nos informação acerca
daquilo que gostamos e daquilo que detestamos, daquilo que é bom para nós ou
que não nos é útil. E sabemos isso porque sentimos diferentes emoções e
sentimentos que conseguimos distinguir pelo grau de desconforto/insatisfação ou
pelo grau de contentamento/satisfação que experienciamos.
Estaremos a evoluir para a infelicidade? De certa forma, sim. O que conta na selecção natural é a
sobrevivência da espécie, tal como nos relata, Richard Dawkins no seu livro: O
Gene Egoísta. Onde o autor tenta explicar o “problema profundo de nossa
existência” e coloca-nos como sendo apenas máquinas de sobrevivência para os
nossos genes. Não querendo adoptar nenhuma perspetiva radicalista, não posso
deixar de levar em consideração determinados instintos e habilidades
intelectuais que ajudaram a nossa espécie a prosperar ao longo dos últimos
milhares de anos, criando algumas consequências negativas, para nós enquanto
indivíduos.
CÉREBROS MAIORES MAIS
IDEIAS PARA GERIR
Vejamos um exemplo retratando o passando:
O António e a Maria eram dois Homo
sapiens que
viviam nas planícies de África à 40.000 anos. Eles evoluíram do seu ancestral Homo
herectus, desenvolvendo um cérebro maior. O casal usava o seu
cérebro aumentado para fazer todo o tipo de coisas maravilhosas que os ajudaram
a sobreviver: Pensar de forma abstrata, fazer planos para o futuro, encontrar
novas soluções para os problemas e fazer trocas com os seus vizinhos. Eles eram
ainda capazes de fazer pinturas nas suas cavernas e adornos, como colares e
pulseiras de pequenas pedras. Mas, nem tudo corria bem na savana, os seus
cérebros também lhes causaram problemas. Eles preocupavam-se com os
rinocerontes e leões, tinham inveja das cavernas maiores dos seus vizinhos e
argumentavam sobre quem iria procurar água nos dias de extremo calor. Quando
estava frio e chovia, ambos ficavam irritados, relembrando-se o quão melhor era
quando estava calor.
Eles repararam em algumas alterações ao seu redor, sentiram
dificuldades quando não existiam frutos suficientes nas árvores, raízes para
comer ou larvas de insectos (um petisco muito apreciado na época) para
petiscar. Quando os seus vizinhos ficavam doentes ou morriam eles ficavam
angustiados, como medo que isso pudesse acontecer-lhe também. Por vezes a Maria
ficava zangada quando o António olhava para outras mulheres. Depois ela não
fazia sexo, o que aborrecia muito o António. Mesmo quando algumas coisas iam
bem, eles ficavam preocupados com algumas coisas do passado e sobre o que podia
correr mal no futuro. A Maria e o António estavam a conseguir sobreviver e o
seu filho tinha também boas hipóteses de o conseguir, ainda assim muita coisa
continuava a passar-lhes na mente.
Aparentemente, as coisas não mudaram nos
últimos 40.000 anos. Os nossos cérebros, maravilhosos como são, continuam a
dar-nos problemas. Afortunadamente, todavia, algumas das mesmas habilidades que
ajudaram os nossos antepassados a sobreviver, permitiu-nos também desenvolver
práticas eficazes para lidar com as problemáticas do nosso cérebro e aumentar
as nossa chances para a felicidade.
Felizmente estas técnicas percorreram um longo caminho desde os tempos da Maria
e do António.
MINDFULNESS: UMA
PRÁTICA PROMOTORA DE BEM-ESTAR
Mindfulness é uma dessas práticas. Foi-se
desenvolvendo ao longo de milhares de anos de evolução cultural, efetivando-se
como um antídoto para os hábitos naturais da nossa mente (preocupação
excessiva), que faz com que a vida seja muito mais difícil do que precisa de
ser.Mindfulness (Atenção Plena), é
uma atitude particular acerca da experiência, ou uma forma de nos relacionarmos
com a vida, que comporta em si o compromisso de aliviar o nosso sofrimento e
tornar as nossas vidas mais ricas e significativas. E faz isso sintonizando-nos com a nossa experiência do
momento, permitindo-nos estar cientes da razão desnecessária pela qual a nossa
mente nos causa sofrimento. Quando a nossa mente caí no terrível hábito da preocupação exagerada sobre a possibilidade de não virmos a ser
felizes, ou de não alcançarmos o que desejamos, ou sobre o que não realizámos
no passado, a prática da mindfulness ajuda-nos a centrarmo-nos na segurança
relativa do momento presente. Se pretender explorar um pouco mais o tema da
preocupação, pondere ler o nosso artigo: Como quebrar o terrível hábito
da preocupação.
Quando a nossa mente faz comparações de inveja ou comparações
competitivas com os nossos vizinhos, parceiro, ou colegas de trabalho, a
prática da mindfulness ajuda-nos a perceber que é o protesto actual, e não o
possuir menos, ou ter menos dinheiro em si que causa o sofrimento. Mesmo quando
a doença ou a morte nos bate à porta ou das pessoas que mais gostamos,
mindfulness ajuda-nos a perceber e aceitar esta ordem natural. Ajudando-nos a
observar exatamente como é que criamos a nossa própria angustia e stress, a
prática da mindfulness ensina-nos a desapegar-nos do hábito da dor emocional e
substitui-la por hábitos mais adequados.
A prática da Atenção Plena pode ser
assim resumida: sustentar
a atenção, intencionalmente, no momento presente, sem julgar o que aparece na
consciência.
A Atenção Plena envolve duas componentes. A primeira é adotar, na experiência, uma atitude particular
de curiosidade, abertura e aceitação ao que surge na consciência. A
segunda é a ‘Auto-Regulação da Atenção’, que tem como finalidade aumentar o
reconhecimento dos eventos mentais daquele momento. Regula-se o foco da atenção
para se observar as mudanças nos pensamentos, sentimentos e sensações, momento
a momento. Isso conduz a uma sensação de estar presente e atento à experiência.
Para se conseguir esse estado é necessário:
§
Sustentar a atenção por um período
prolongado de tempo em algum foco, como a respiração.
§
Mudar o foco. Detectar e reconhecer
os estímulos que surgem na consciência, como um pensamento, sentimento ou
sensação física.
§
Retornar ao foco. Esse movimento de
reconhecer o estímulo e retornar incessantemente ao foco é a essência da
meditação.
O QUE É ENTÃO ESTA
PRÁTICA PRECIOSA?
Quando se usa o termo mindfulness ou
atenção plena, referimo-nos à realidade do momento presente, uma consciência
sem julgamento ou crítica. Este termo, deriva das tradições budistas, refere-se
à capacidade de prestar atenção no momento presente para qualquer estímulo que
nos chegue à consciência, internamente ou externamente, sem ficarmos
emaranhados ou “presos” julgando ou criticando. Quando se usa a mindfulness na psicoterapia, na maioria das
vezes está-se particularmente focado na consciência plena dos sentimentos
internos, sem estar apegado aos valores pessoais ou a tentar banir as dores
emocionais. Para
mim, esta aplicação da mindfulness é terapêutica porque ajuda a promover a
aceitação das experiências internas e diminui o evitamento. Ou seja, toda e
qualquer experiência interna, como sensações corporais, emoções, sentimentos,
pensamentos, independentemente de os consideramos positivos ou negativos,
“bons” ou “maus”, são nossos. O ser humano está geneticamente preparado para
sentir um espectro alargado de estímulos através dos seus sentidos, não devendo
por isso ignorá-los.
O facto de em algumas alturas da nossa vida querermos evitar
algumas experiências, ou evitar experiências internas como as já descritas,
pode promover ou prepetuar uma variedade de problemas psicológicos. A aceitação
através da prática da mindfulness pode servir para diminuir esses problemas. A
aceitação, não se trata de ter de aceitar as coisas que lhe estão a acontecer
na vida e resignar-se. Não é isso que se pretende, nem é essa forma de
aceitação que me estou a referir.
ACEITAÇÃO E
COMPROMISSO UMA VIA PARA A RESISTÊNCIA EMOCIONAL
O termo aceitação usa-se na prática da
mindfulness, como a aceitação da realidade presente, daquilo que está a sentir,
não tendo que ser necessariamente algo de mau (no caso de sentimentos,
pensamentos ou sensações físicas desagradáveis). Aquilo que se sente, é
informação que nos chega à consciência através de uma mecanismo de feedback do
nosso organismo. Ao perceber isto, permite que você não faça uma fusão da sua
experiência interna consigo mesmo.Você não é aquilo que sente, tal como não é aquilo que come,
você não é os seus pensamentos, tal como não é aquilo que ouve. Se percebermos
esta independência relativamente às nossas experiências internas, ficamos com
opção de escolha.
Podemos estar a sentir tristeza e não
sermos tristes, podemos estar a ter pensamentos deprimidos e não sermos
depressivos, podemos estar a sentir raiva e não sermos pessoas hostis, podemos
estar insatisfeitos e não sermos infelizes. Sentimos, mas não somos o que
sentimos, e isto é muito capacitador. Ficamos numa posição de conseguir olhar
para o nosso problema ou para a nossa dor de uma forma desapegada. Desapego é o
oposto de fusão, se nos fundirmos com uma experiência interna considerada
negativa ficamos num estado de incapacidade. Se nos desapegarmos da nossa experiência
interna negativa, ficamos num estado de capacidade. Diminuímos desta forma a
possibilidade de cairmos num situação mental angustiante, e aumentamos as
possibilidades de arranjarmos recursos para o nosso equilíbrio emocional.
Na minha prática clínica, utilizo aquilo
que se considera a terceira geração de terapias psicológicas que é a Terapia da
Aceitação e Compromisso (ACT). Esta é uma abordagem, que explicitamente
enfatiza a propensão que o cliente tem para evitar as experiências internas. O
que se pretende é alterar a percepção de evitamento, e promover a aceitação
daquilo que o cliente sente. No que diz respeito ao compromisso, tem a ver com
a construção de um conjunto de acções que o cliente promove no sentido de se
orientar por aquilo que valoriza e quer para ele. Seguindo a sua vida sem
entraves provocados pelo evitamento daquilo que tem medo ou que não quer
sentir. Esta abordagem permite que a pessoa escolha o caminho que quer seguir,
optando por trabalhar e comprometer-se com um conjunto de acções que o conduzam
ao sentimento desejado, na maioria das vezes traduzido por: “Quero ser feliz“.
Ao incluir-se a aceitação da experiência
interna na vida da pessoa, isto permite que a pessoa consiga trabalhar na sua
musculatura emocional, permite que a pessoa consiga ser mais resistente às suas
experiências internas de mal-estar, entendendo-as como manifestações da
realidade, colocando-se assim numa situação mais capacitada para accionar os
seus recursos, construindo uma solução para os seus problemas. No fundo, a aceitação e o compromisso funcionam como um
antídoto à hipersensibilidade emocional, à hipersensibilidade dos sentimentos
negativos.Você não é os seus
sentimentos, não é a sua tristeza, não é o seu mal-estar. Se você perceber que
não é aquilo que sente, que você é aquele que sente,
se tiver esta consciência, fica numa posição vantajosa. Consegue por
comparação, isto é, consegue diferenciar-se entre aquilo que sente e aquilo que
é ou que pretende vir a sentir, e assim fazer coisas para alcançar o que
deseja: Por exemplo, ser feliz.
Se nos tornarmos mais cientes de como
funciona a nossa mente, e porque razão sentimos as coisas que sentimos, ficamos
mais aptos a podermos fazer uma opção de escolha. Ficamos mais aptos para
escolhermos a possibilidade de sermos felizes.
http://www.escolapsicologia.com/a-felicidade-e-possivel-mas-e-opcional/

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