Era uma vez o casal que
detestava contar histórias para seu filho. A criança pedia, chorava, mas nada
de elfos, bruxas ou heróis fantásticos aparecerem... Num sono triste, ela
adormecia sozinha até o dia em que aprendeu a ler e, sozinha, descobriu um
mundo cheio de fantasias nos deliciosos contos de fada.
(acompanhe cada fase do desenvolvimento
do seu bebê)
Histórias não garantem a felicidade nem o sucesso na vida, mas ajudam. Elas são
como exemplos, metáforas que ilustram diferentes modos de pensar e ver a
realidade e, quanto mais variadas e extraordinárias forem as situações que elas
contam, mais se ampliará a gama de abordagens possíveis para os problemas que
nos afligem , escrevem os psicanalistas Diana e Mario Corso, autores do
imperdível
Fadas no divã a psicanálise nas histórias infantis
(Editora Artmed, 328 páginas).
Um grande acervo de narrativas é como uma boa caixa de ferramentas, na qual
sempre temos o instrumento certo para a operação necessária (...) Uma mente
mais rica possibilita que sejamos mais flexíveis emocionalmente, capazes de
reagir de maneira adequada a situações difíceis, assim como criar soluções a
nossos impasses , completam.
No livro, eles discutem em linguagem clara e acessível a importância da ficção
para o decorrer de uma infância sadia e revelam ainda que mensagens estão
ocultas nos enredos mais queridos pelos pequenos. Rapunzel, Branca de Neve, O
Patinho Feio, a Turma da Mônica e até Harry Potter recebem da dupla uma análise
cuidadosa, cheia de insights que ajudam os pais a entenderem melhor as
preferências e as inseguranças dos pequenos.
(escolha uma boa escola para seu filho)
A seguir, você confere algumas pinceladas sobre as interpretações feitas pelos
autores e pode entender um pouco mais as necessidades dos seus filhos, quando
preferem ouvir este ou aquele conto. Também é uma ocasião única para
compreender por que você, pai ou mãe, escolhe uma história especial para
narrar.
Patinho feio
A saga da ave que nasceu de um ovo grande e esquisito costuma revirar os
olhinhos das crianças menores. Rejeitado, o pequeno cisne não encontrava a
simpatia em meio aos patos. E acabou sendo obrigado a ir embora. Vagando da
casa materna até outras paradas, o pobre Patinho Feio sofre até se sentir bem
recebido, o que só acontece depois que ele cresce. A suspeita que todos temos é
de sermos incapazes de nos igualarmos à fantasia que se avolumara no ventre de
nossa mãe , afirmam os autores.
Esse temor nos acompanhará para sempre, justificando o sentimento de rejeição
que nos identifica ao Patinho . Em geral, as crianças que gostam dessa história
estão lidando com o sentimento de não satisfazer completamente as expectativas
dos pais e aprendendo a reagir frente às hostilidades presentes até nos
ambientes onde o amor transborda.
(lide com manhas sem perder a calma)
João e Maria
Cruel, mas de final feliz, o conto sobre as duas crianças abandonadas na
floresta continua entre os favoritos das crianças, agradando meninos e meninas
em igual medida. Isso porque trata de um tema universal: o crescimento. Crescer
traz danos, mas também traz perdas. Estas últimas fazem com que a independência
conquistada pelo filho seja vivida como abandono por parte dos pais, já que é
muito difícil, neste momento, se reconhecer como autor da própria história ,
esclarece a obra.
A casa de doces na floresta e mesmo a aventura de sair por aí sem destino deixam
os irmãos encantados. Os perigos que eles passam e as conquistas obtidas
atentam para a mudança interior dos dois simbolicamente, até o caminho de volta
é diferente daquele da partida, apontando que eles já não são mais os mesmos.
A casa para o qual retornam João e Maria também não é mais a mesma, não há mais
nela uma figura materna ameaçadora, e as riquezas foram conquistas pelas
próprias crianças , explica
Fadas no divã.
Chapeuzinho Vermelho
O drama da perda da inocência é o que há de mais evidente nesta história.
Chapeuzinho é uma criança com a ingenuidade de quem não sabe (e ainda não
suporta saber) sobre o sexo, mas sua intuição lhe diz que há algo mais que
inspira os seres humanos , traz o livro. Na narrativa, a curiosidade infantil é
o que mais chama atenção (a menina do capuz esquece as ordens da mãe para
passear na floresta, olhar as flores e dar ouvidos a um desconhecido).
Mas nada disso acontece por desobediência premeditada, mas sim porque a vontade
conhecer mais sobre o mundo dos adultos é muito grande. E as dúvidas, por mais
duro que seja para alguns pais com o tema, começam pelo próprio corpo da
criança. Ela sabe que ali existe algo mais e, quando vê uma chance, não abre
mão de explorá-la. O propósito? Desvendar o que, até então, não passa de uma
suspeita.
(incentive a curiosidade das crianças)
Rapunzel
A menina que é aprisionada numa torre por uma estranha madrasta fascina outras
meninas. Por ciúmes, a bruxa não permite que Rapunzel fale com ninguém. Tudo
corre bem até a chegada da adolescência quando, isolada, a jovem passa a cantar
e sua voz chega à floresta, atraindo a atenção de um príncipe. O desejo desse
homem será o gancho necessário para a separação da mãe , explica o livro.
Uma separação reforçada quando a bruxa decide cortar as tranças da filha
postiça, a quem ela tanto ama. No fim, Rapunzel acaba decidindo ir embora. Mas
não sai pela porta, e sim pela janela, já que a saída oficial não seria aceita
pela mãe.
Branca de Neve
O amor e amizade entram em cena nesta bela história. Por um lado, Branca de
Neve tem de se a ver com a apatia do pai frente aos desmandos da madrasta má.
Mas, por outro, encontra o amparo de que precisa na bela casinha onde moram os
anões todos muito diferentes entre si, mas vivendo em condições idênticas (a
mesma cama, a mesma comida, o mesmo trabalho...). As meninas, na primeira
infância, são tão amorosamente dedicadas às mães como os meninos.
Porém, enquanto estes continuam amando alguém similar à mãe pelo resto da vida
(desde, é claro, que sejam heterossexuais), elas terão de abrir mão desse amor
para experimentar com o pai os rudimentos do que será seu objeto amoroso no
futuro . Segundo os autores, esta transição ocorre sob queixas de abandono e
descuido (e a relação de raiva entre a madrasta e Branca de Neve ecoa com
maestria esse conflito). Mas é apenas graças ao feitiço da bruxa que o príncipe
encontra Branca (linda e corada, numa urna cristalina) e ambos se apaixonam,
vivendo felizes para sempre.
Harry Potter
O fervor causado a cada lançamento da série sobe o bruxinho só reforça a
importância dos elementos simbólicos que a história contém. Os filmes e os
livros arrebatam a atenção das crianças que ainda nem sabem ler e mantêm este
interesse até a adolescência (e começo da idade adulta, em muitos casos). Por
que a curiosidade persiste em idades tão distintas? No palpite de Diana e Maria
isso acontece, em grande medida, pelo local onde toda a ficção se desenvolve:
uma escola. A escolaridade para as crianças contemporâneas se inaugura
praticamente junto à capacidade de falar, quando não antes , escrevem. Ali,
elas aprenderão a dividir, a respeitar, esperar a vez e conquistar o espaço .
As dificuldades para encontrar um grupo, conquistar a aceitação do sexo oposto,
firmar identidade ante os adultos são comuns e desafiam crianças e jovens (além
de trazerem à tona as memórias de quem, há muito, passou por essa fase e hoje
lembra com saudade aqueles momentos).
(acabe com o ciúme entre os irmãos)
Turma da Mônica
Os gibis da turminha criada por Maurício de Sousa são praticamente uma
unanimidade entre as crianças (e, não raro, entre os pais delas). Apesar de
bastante simples, os personagens encarnam os dilemas caros à infância:
Cebolinha sofre para vencer a força física da Mônica a partir dos seus planos
intelectuais (invariavelmente fracassados). Ele nunca se cansa de tentar e,
talvez essa seja a garantia de sua firmação como menino , descreve o livro.
A guerra entre os dois, segundo os autores, ainda pode ser entendida como
representante da que as crianças, em geral, travam contra sua mãe. Afinal, elas
não se entregam de tão bom grado à supremacia de poder da mãe, submissão que,
para os meninos, é ainda mais constrangedora (...) Mônica,como uma mãe, manda e
pronto. Não se questiona nem sente um glamour especial pelo seu pretenso
reinado, apenas administra os humores dos que estão sob sua jurisdição e ainda
os protege de perigos maiores. Já o Cascão é emblema de um sentimento familiar
a qualquer criança: o medo além de personalizar a birra infantil contra
qualquer ritual de higiene, começando pelo banho.
O banho sempre virá, a cara será esfregada para tirarem os restos de comida, a
mão da criança será posta em baixo d água para tirar aquela papa de banana que
estava sendo amassada com tanto prazer. De certo modo, Cascão encarna o
protesto contra essas regras .
Forma o quarteto principal a esfomeada Magali, que supre qualquer carência a
partir da comida. O comportamento seria o sonho de muitas mães, em pânico com a
recusa em comer de seus filhos. Mas acaba se tornando o pesadelo da mãe da
Magali, que sofre por não conseguir jamais satisfazer a filha. Trata-se de uma
espécie de revanche que as crianças alimentam (como prova Magali), mas só
manifestada na adolescência na maioria dos casos.
(estimule a imaginação do seu filho)